Mutação furtiva

Por Luca Beatrice, curador de exposições, crítico, ensaísta, professor e presidente da Quadriennale di Roma.

A arte abstrata hoje mantém vínculos com a tradição do século XX, mas, ao mesmo tempo, incorpora novos elementos. Se a imagem na pintura fala uma linguagem explícita e dialoga imediatamente com a realidade, a abstração, mesmo se expressando por meio de signos e símbolos, não abre mão de dizer algo, embora por um caminho mais difícil e, de certo modo, mais interessante. Basta visitar Stranieri Ovunque, a exposição que dá título à Bienal de Veneza, curada por Adriano Pedrosa: a pintura abstrata continua a protagonizar as pesquisas de artistas vindos de várias partes do mundo, muitos do chamado Sul Global. Em suas obras, a textura cromática, as intervenções simbólicas ou gestuais refletem simultaneamente questões que tangenciam a análise social e política.

Embora reconhecendo a centralidade da segunda fase da abstração, a partir de 1950, com a fundação da Escola de Nova York, se nos limitarmos a ela, como frequentemente acontece, e a seus herdeiros diretos, teremos dificuldade em compreender as profundas transformações que a conduziram até hoje. Um texto fundamental para decodificar o presente é o livro de Pepe Karmel, Arte Abstrata: Uma História Global, publicado na Itália pela Einaudi em 2021. A tese central consiste em inverter a perspectiva crítica sobre a pintura abstrata, tomando como ponto de partida a globalização. A abstração não é apenas a arte americana por excelência, mas um fenômeno que se estende ao mundo todo, incorporando, ao lado da perspectiva individual (ou individualista) do pintor, a experiência social. Não apenas a elevação espiritual da abstração, mas também temas contemporâneos como “a racionalidade utópica da tecnocracia, a euforia da independência pós-colonial, o tumulto da globalização e o horror das ditaduras militares”.

Seria suficiente situar a arte abstrata na realidade para trazê-la ao nosso tempo? Até certo ponto, sim. Mas como escreve o artista e historiador Roberto Floreani em seu ensaio Abstração como Resistência (De Piante, 2021), “a abstração contemporânea… pode parecer reservada, muitas vezes silenciosa, recolhida, por vezes subterrânea, ainda assim inclui testemunhos constantes e credíveis em todos os cantos do mundo, rica em uma continuidade consciente da importância histórica de sua origem. A abstração avança, como dita a tradição, por pequenos passos ponderados, mas inexoráveis, guiados por pesquisas frequentemente inspiradas em textos iluminadores. Pode-se afirmar, com boas razões, que a abstração goza hoje de uma continuidade seletiva e de uma confiabilidade constante no mundo contemporâneo”.

O trabalho do suíço René Mayer se insere plenamente no debate sobre a atualidade da pintura abstrata. Sua pesquisa de duas décadas, após passar pela imagem repetida que, portanto, não excluía a matriz pop, desemboca em soluções interessantes, especialmente nesta última exposição Mutazioni furtive, que reúne suas obras mais recentes. Começando pelo título, intencionalmente ambíguo, porque na língua italiana o adjetivo furtivo, além de indicar algo que deriva de um furto (o que certamente não é o caso aqui), significa “algo feito ou que acontece em segredo e de forma rápida, para impedir que outros percebam”. Mayer nos convida, essencialmente, a observar muito bem suas obras: entre uma passagem e outra, a diferença é realmente mínima, mas se percorremos com o olhar até o final, a mutação se torna evidente e, consequentemente, o efeito também. Algo aconteceu e nós nem percebemos.

Mayer constrói suas obras pictóricas com habilidade artesanal, em um exercício solitário de concentração imerso na paisagem extraordinária da Langa Astigiana, no sul do Piemonte, onde costuma se recolher principalmente nas estações mais quentes. Para Mayer, é essencial uma espécie de autossuficiência produtiva, que permite um diálogo direto com a obra, realizada camada após camada, passagem após passagem. Ele prepara a estrutura de madeira, estica a tela e prepara a tinta—operações que o artista define como meramente artesanais, “quase sensuais”. Ele posiciona o suporte na horizontal e utiliza acrílico misturado com pigmentos em pó, alcançando assim o efeito desejado.

Na série Mutazioni furtive, em particular, Mayer insere um único objeto real, repetido em grande quantidade: formas redondas e idênticas, as fichas plásticas usadas em cassinos no lugar do dinheiro. A escolha, indubitavelmente, está relacionada ao risco: quem joga se entrega à sorte e ao destino, não bastando o domínio da lógica e da razão. Pode-se ganhar, pode-se perder, mas a longo prazo, inevitavelmente, quem vence é a casa. Para René, a casa é a realidade, a natureza. Mayer declarou que “as fichas simbolizam a irresponsabilidade da nossa civilização. Brincamos com a Terra como se fosse um cassino, mas nesse jogo somos os perdedores”. Os efeitos dessa derrota, desse desastre, não são percebidos a olho nu porque, justamente, as mutações são furtivas, e não estamos habituados a notar isso no momento. Pelo contrário, tendemos a minimizar. No entanto, quando paramos para refletir, algo já foi posto em movimento e se torna difícil retornar à ordem pré-estabelecida. No cassino, diriam: Les jeux sont faits.

À primeira vista, a obra de Mayer parece apenas pintura abstrata, mas, como Karmel destacou em seu ensaio, o contemporâneo precisa se inserir em um debate mais amplo, assim como outras formas de arte mais explícitas, como a figuração, a instalação ou a fotografia. Sobretudo, Mayer coloca o meio ambiente no centro de sua reflexão, comparando as imperceptíveis Mutazioni furtive àqueles pequenos comportamentos diários aos quais não prestamos atenção e que, organizados em fila como fichas, tornam-se coautores de muitos desastres evitáveis. Ele nos convoca, portanto, à autorresponsabilidade. Mayer não precisa de grandes declarações ou proclamações; ele nos apresenta um universo luminoso, colorido e agradável. Suas obras satisfazem aqueles que buscam uma boa pintura. Isso poderia ser suficiente, mas não é. Sob a superfície (nem tão fundo assim), ele nos convida a vigiar e a adotar condutas éticas. Esse é o compromisso de sua pintura: a reflexão de um artista experiente e maduro que retorna, mais uma vez, à questão do sublime na natureza—à ideia de beleza que sempre esconde uma ameaça. Desta vez, no entanto, para perceber, precisamos prestar muita atenção. Não é necessária uma tempestade ou um tsunami; bastam pequenas e coloridas fichas de jogo alinhadas para nos fazer questionar se não podemos ser melhores do que isso.

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