Uma vocação enraizada na vida – não nas doutrinas
René Mayer não se tornou artista por tradição familiar. Tornou-se por necessidade interior, por coerência vital, como resposta instintiva a um chamado profundo. Nada em seu ambiente imediato o predestinava a uma carreira artística. Proveniente de um meio burguês culto, mas pouco voltado para a criação, não encontrou modelos nem estímulos no círculo familiar. Só bem mais tarde é que seu padrasto, autodidata, experimentará a pintura e a escultura — sem nunca torná-las uma atividade central. O impulso de René Mayer vem de outro lugar. Ele brota de uma tensão precoce entre a necessidade de expressão e a resistência ao conformismo, de um desejo obstinado de habitar o mundo à sua maneira, recusando os caminhos já traçados.
Nascido em Basileia em 1947, ele cresce numa cidade singular, fronteiriça, atravessada de ponta a ponta por línguas, influências e mentalidades. O Reno, artéria fluida e simbólica, liga Basileia à França e à Alemanha, e a cidade se impõe como um polo cultural de destaque. É nesse microcosmo europeu, impregnado de tolerância humanista e de um cosmopolitismo discreto, mas persistente, que René Mayer forma seu olhar. Em Basileia, ouvem-se o dialeto local, o alemão padrão, o francês e o inglês nos cafés do centro; discute-se tanto Erasmo quanto Jean Tinguely ou Pipilotti Rist. Os museus estão repletos de obras-primas simbolistas, experimentações contemporâneas e coleções privadas de uma riqueza inacreditável. Longe de ser um simples espectador, René Mayer se impregna desse tecido vivo.
A arte, para ele, logo se torna uma forma plena de existência: uma maneira de olhar, sentir e compreender o mundo. Toda a trajetória desse artista, que transita entre pintura e escultura, pode ser resumida nessa frase. Atraído desde muito jovem pelas formas, volumes e cores, ele se volta inicialmente para as artes aplicadas. Na Schule für Gestaltung Basel — herdeira direta do espírito da Bauhaus — recebe uma formação tão rigorosa quanto estimulante. Lá se ensina que a arte começa pelo respeito à matéria, pela maestria do gesto, pela inteligência do processo. René Mayer aprende ali a clareza do traço, a precisão do desenho, o valor expressivo de uma linha bem lançada. Entra em contato com o pensamento de Johannes Itten e Josef Albers — não como mestres a serem seguidos cegamente, mas como catalisadores de experimentação. O ensino não é dogmático, mas aberto: cada aluno é convidado a buscar sua própria coerência, a transformar a mão em instrumento de pensamento.
Mais tarde, é sob a orientação de Alfred Gruber — escultor austríaco e companheiro de trajetória de Hans Arp — que descobre o prazer do risco, da improvisação, da forma em movimento. No antigo ateliê-pedreira de Gruber, transformado em laboratório artístico, aprende a escutar a matéria tanto quanto a modelá-la. O gesto torna-se busca, a forma torna-se intuição. É um dos pontos de virada em sua vida artística. Ali se delineia o que virá a ser sua marca registrada: um pensamento da forma enraizado no fazer, na mão, no peso das coisas. Um pensamento do volume que não se opõe à intuição, mas dela se alimenta. Para René Mayer, a forma nunca é decorativa. É linguagem. É uma maneira de respirar, de existir.
Uma liberdade conquistada – uma prática paciente
Muito antes de se dedicar plenamente à sua carreira artística, René Mayer seguiu um caminho pouco convencional para um pintor e escultor: fundou, nos anos 1970, uma empresa de atacado especializada em utensílios de mesa. Num contexto em que o estilo de vida, o design e a funcionalidade começavam a se misturar com exigências estéticas do cotidiano, René Mayer criou e dirigiu uma empresa que conheceu um desenvolvimento rápido e duradouro. Aplicou ali os princípios aprendidos na escola de arte: clareza das formas, simplicidade das linhas, precisão do gesto, atenção à matéria.
Sua disciplina, seu senso de equilíbrio visual, sua capacidade de antecipar as expectativas de um público sensível à elegância discreta permitiram que alcançasse um sucesso comercial que rapidamente o posicionou entre os líderes de seu segmento de mercado. Mas, para além do êxito econômico, essa experiência reforçou nele uma convicção essencial: é possível conciliar exigência artesanal e eficiência, beleza e utilidade, criação livre e disciplina de produção. Essa vivência fortaleceu um de seus grandes princípios de vida: o equilíbrio não nasce do conflito entre contrários, mas do seu encontro. René Mayer não opõe a lógica de mercado à lógica da arte; ele não vê a empresa como um mundo alheio ao da criação. Para ele, o rigor comercial não é um freio, mas uma moldura onde pode nascer um verdadeiro cuidado com o detalhe. Esse cuidado atravessará, aliás, toda a sua obra futura.
Na precisão de um jeton pintado à mão, no corte exato de uma base de granito, na tensão silenciosa de um olhar esculpido, percebe-se a marca dessa cultura do trabalho bem feito, enraizada em sua trajetória profissional. Foi também esse sucesso empresarial que lhe deu a liberdade de se libertar das pressões materiais e escolher outro ritmo de vida. Enquanto muitos artistas de sua geração tiveram que fazer concessões sem alcançar o reconhecimento esperado, René Mayer pôde se concentrar em sua prática sem compromissos, à margem dos circuitos — e isso no seu próprio tempo. Por quase cinquenta anos, ele pintou e esculpiu sem jamais buscar exibir-se. Esse afastamento do mundo da arte não foi uma recusa nem uma pose, mas uma forma de fidelidade a si mesmo. Ele não sentia necessidade de ser visto, nem desejo de reconhecimento. Não havia urgência em se adequar às expectativas de um meio, em se posicionar numa cena, em construir uma carreira. Preferia cavar seu sulco na solidão do ateliê. Ali, na luz mutável do Piemonte italiano, entre colinas e névoas, moldava suas obras uma a uma, pacientemente.
Seu ateliê, instalado em Bubbio, tornou-se seu verdadeiro centro de gravidade: um lugar de concentração, de despojamento, de escuta. Cada tela, cada escultura nasce de um diálogo íntimo com os materiais. Acrílico, pigmento em pó, argila, mármore, madeira, linho: nada é deixado ao acaso, tudo é pensado — mas sem dogmas. Para René Mayer, a arte não é uma acumulação de resultados, mas uma série de processos vivos. A forma não se revela de repente: é preciso aproximar-se dela camada por camada, ajuste após ajuste. O gesto é lento, preciso, contido. Cada superfície é retrabalhada até encontrar um ponto de equilíbrio. O tempo faz parte da obra. Nada é imediato. O que importa não é terminar uma peça, mas habitá-la até o fim. Essa disciplina cotidiana, essa fidelidade ao trabalho, conferem à sua produção uma densidade rara. Suas obras não buscam seduzir: elas se oferecem em silêncio, com uma intensidade tranquila. Carregam o rastro dessa paciência, dessa liberdade — uma liberdade conquistada não contra o mundo, mas à distância do seu ruído.
Séries pictóricas estruturadas em torno de grandes questões
A pintura de René Mayer é resolutamente abstrata, mas não tem nada de um exercício formal desvinculado do real. Ela carrega um olhar atento sobre o mundo, sobre as transformações que o atravessam e sobre as tensões silenciosas que moldam nossa época. Ao contrário dos efeitos espetaculares e dos discursos estridentes, René Mayer compõe pacientemente séries que se desenvolvem ao longo de vários anos. Cada série articula uma reflexão, não por meio de palavras, mas por tensões cromáticas, gestos minuciosos, matérias concebidas como linguagens. Ele não busca ilustrar uma ideia: faz com que ela emerja da própria tela, por meio de uma lenta elaboração. As obras que cria não se revelam de imediato: exigem atenção, tempo, uma disponibilidade interior.
A série “Mutações furtivas” talvez seja o exemplo mais emblemático. Cada tela, construída camada por camada num vai e vem entre controle e entrega, integra centenas de fichas de cassino — todas pintadas individualmente, uma a uma — depois incorporadas à superfície pictórica. Esses objetos, produzidos em massa, intercambiáveis e frios, tornam-se com René Mayer o símbolo de um jogo inconsciente e coletivo com o equilíbrio ecológico. A ficha, por natureza, remete à perda de controle, à aposta, ao deslumbramento. Ao integrá-las em suas composições abstratas, René Mayer não realiza uma denúncia, mas uma formulação silenciosa de nosso vínculo com o risco. A própria beleza de suas telas, seu equilíbrio cromático, sua sensualidade tátil, contrastam com a gravidade do tema. Essa tensão entre estética e ética está no centro de seu trabalho. Nada é direto, tudo se constrói em nuances, em deslocamentos sutis — como as transformações lentas que não percebemos chegar, e que no entanto transformam o mundo.
Na série “Terra vibrante”, é a metáfora telúrica que prevalece. As superfícies são enrugadas, riscadas, como se levantadas de dentro por forças invisíveis. Evocam-se placas tectônicas, terremotos, abalos. Mas fala-se também de nós: de nossas sociedades em tensão, de nossas fragilidades coletivas, de abalos invisíveis que reconfiguram nossas vidas. Aqui, a matéria não é apenas trabalhada: ela é habitada. René Mayer lhe confere um papel ativo, quase vivo. Os pigmentos, as cargas, os materiais utilizados formam uma pele frágil, às vezes nervosa, que deixa emergir a instabilidade do mundo. Com a série “Finitude”, René Mayer muda de registro, mas não de intenção. Ele interroga aqui a beleza como máscara. Suas superfícies brilham, atraem o olhar, mas o que escondem é a erosão, a fragilidade do corpo, a passagem do tempo. A sedução visual é uma ilusão provisória. Por trás dos reflexos, algo se desgasta. Lê-se aí uma crítica silenciosa aos padrões artificiais, às imagens congeladas, ao apagamento do envelhecimento em nossas sociedades contemporâneas.
As obras desta série falam de aparência, de superfície, mas também daquilo que essas superfícies tentam dissimular — e que, inevitavelmente, retorna. A série Caixas explora a noção de moldura ou delimitação. Cada quadro apresenta uma estrutura que pode parecer protetora ou sufocante. Trata-se de um espaço de acolhimento? De um lugar seguro? Ou ao contrário, de um cerco mental, de uma forma de isolamento, de retraimento? René Mayer joga aqui com as fronteiras: entre dentro e fora, entre limitação e liberdade. Ele questiona o que chamamos liberdade, mas também as condições dessa liberdade. Em, iniciada nos anos 1990, René Mayer coloca o olhar no centro. Não o olhar teórico, mas o olhar vivido — aquele que se dirige ao outro, aquele que se recebe. As telas dessa série encenam presenças mudas, olhares sobrepostos, fugidios, confrontados — enigmáticos. Trata-se de toda a problemática da percepção: o que é ver? Ser visto? Como esse face a face molda nossa relação com o mundo e conosco mesmos? Lê-se aí um eco de uma reflexão sobre a própria pintura, como meio do olhar.
Por fim, a série “Experimentos” reúne numerosos formatos pequenos e também alguns grandes formatos nos quais René Mayer explora livremente combinações cromáticas, contrastes de textura, variações de ritmo. Essas obras, muitas vezes discretas, são como laboratórios silenciosos. Não visam à demonstração, mas ao ensaio, ao deslocamento, à modulação. Nelas se leem os vestígios de um processo sempre em movimento, de um pensamento plástico que nunca se cristaliza, mas continua buscando. Em todas essas séries, o que importa não é o conceito nem a mensagem, mas a presença. René Mayer não pinta para ilustrar uma ideia: pinta para dar forma a uma percepção, a uma tensão, a um abalo. Sua abstração é um convite a desacelerar, a olhar de outro modo, a entrar em um espaço onde não se sabe imediatamente o que pensar. Um espaço de dúvida ativa, de silêncio fértil, onde o pensamento nasce na própria superfície.
Esculturas acolhedoras – orgânicas ou geométricas
Na trajetória de René Mayer, a escultura ocupa um lugar essencial — complementar à pintura, mas irredutível a ela. Não se trata de um parêntese nem de uma ilustração tridimensional de suas telas: é um campo de exploração autônomo, uma extensão corporal de sua pesquisa formal. Duas séries escultóricas principais encarnam essa busca: “Viva Viva” e “Mármore & granito”. Ambas nascem da mesma exigência: fazer da forma uma linguagem, do volume um espaço de relação, do material um território de questionamento sensível.
A série “Viva Viva”, em terracota pintada, é uma celebração deliberadamente alegre da vida. Nela se encontra uma exuberância cromática, uma sensualidade nas formas, uma ligação imediata. As esculturas são moldadas à mão em sessões longas e imersivas, nas quais o trabalho se transforma quase numa espécie de transe colorido. Inspirada tanto na arte popular mexicana — suas estatuetas arcaicas, seus santos ingênuos, suas cores intensas — quanto nas figuras fantasiosas do carnaval de Basileia, “Viva Viva” propõe uma galeria de personagens ao mesmo tempo alegres e ambíguos, burlescos e profundos. Eles não olham — ou melhor: olham sem olhos. As órbitas são escavadas, os traços estilizados, como nas máscaras da Fasnacht (carnaval). As figuras se inclinam, se tocam, se aproximam. Não estão congeladas na solenidade: estão voltadas para o outro, para um além. Parece que chilreiam, que murmuram, que trocam silenciosamente. Suas cores vibrantes — vermelhos, azuis, verdes intensos — exaltam a vitalidade. Tudo aqui fala de energia, de pulsação, de interdependência.
Em contraponto, a série “Mármore & granito” explora uma estética radicalmente diferente — mais depurada, mais silenciosa, mas igualmente habitada. As figuras que ela reúne são hieráticas, ancoradas numa temporalidade lenta, mineral, arquetípica. René Mayer inspira-se num vocabulário formal vindo das artes primeiras — esculturas africanas, ídolos polinésios, bustos arcaicos da Grécia antiga — mas sem jamais cair na citação ou na imitação. O que lhe interessa é a potência contida, a redução ao essencial, a condensação da presença humana em formas sóbrias, maciças, densas. Algumas esculturas mostram uma única cabeça, com um só olho — imenso, ciclópico; outras apresentam dois perfis voltados um para o outro — ou um contra o outro — como um casal envolto na tensão do vínculo. Outras são fendidas, escavadas, silenciosas. Há bustos femininos nos quais o olho substitui a cabeça — como um eco da série “Olhos”, em que o olhar se torna metáfora do eu.
O processo criativo segue aqui um método rigoroso: René Mayer modela primeiro cada escultura em argila, em escala reduzida. É nesse estágio que se define o essencial: o ritmo das formas, a tensão das massas, a respiração do volume. A argila permite a intuição, o ensaio, a reformulação. Uma vez fixado o modelo, ele é enviado a ateliês de escultura na Índia, especializados na talha de blocos de mármore ou granito. Os artesãos, altamente qualificados, realizam a transposição sob supervisão direta do artista. Não se trata de uma simples transferência técnica: trata-se de uma transmissão de intenção. Cada veia da pedra, cada curva, cada superfície polida ou bruta é pensada como articulação expressiva. A pedra, nobre e pesada, torna-se receptáculo de uma emoção contida, de um equilíbrio atingido.
As temáticas abordadas são o casal, a atração, a alteridade. Mas René Mayer não representa: ele sugere. O erotismo aparece em segundo plano, sem nudez; a tensão entre masculino e feminino se adivinha nos contornos, nas oposições de massa, na frontalidade ou no recolhimento. Há também, muitas vezes, uma espécie de ausência do corpo — como se restassem apenas os elementos essenciais: a cabeça, as pernas, por vezes um torso estilizado. Essa redução voluntária fala de universalidade: as figuras tornam-se signos, quase ideogramas. Longe da anedota, convidam à meditação sobre a condição humana, sobre o olhar, sobre a relação. Instaladas no jardim piemontês de René Mayer, essas esculturas dialogam com a luz, o vento, as estações. O sol as aquece, a chuva as acaricia, a neve as envolve. A pátina do tempo faz delas obras vivas, mutáveis, lentamente transformadas pelo ambiente. Elas não foram feitas para museus: são pensadas como presenças conviviais, próximas das pedras erguidas, dos marcos rituais, das figuras silenciosas que velam. Mais uma vez, o que importa para René Mayer é o elo entre forma e lugar, entre a mão e a matéria, entre o pensamento e o gesto. Ele não esculpe objetos: ele dá corpo a presenças.
Exposições – Um reconhecimento tardio, com ressonâncias duradouras
Ao longo de toda a sua carreira artística, ou seja, durante mais de cinquenta anos, René Mayer pintou e esculpiu na mais total discrição. Nunca procurou expor as suas obras nem integrar circuitos artísticos institucionais. Este afastamento não foi fruto de uma estratégia, mas sim de uma posição existencial: o que lhe interessava era o ato criativo em si, não a sua divulgação. No entanto, a partir de 2021, tudo muda. O seu trabalho, até então permanecido na sombra, começa a circular. O reconhecimento público, embora tardio, surge de forma quase acidental, mas rapidamente encontra uma ressonância inesperada.
Tudo começa em Bergolo, uma minúscula vila piemontesa situada nas colinas de Langhe. Impressionado pela força das obras de René Mayer, um curador que as descobriu praticamente por acaso organiza sua primeira exposição na capela abandonada de San Sebastiano. O evento, inicialmente previsto para ser efêmero, é prolongado por algumas semanas. O local, apesar de modesto, revelou-se o palco de um encontro decisivo entre as obras de René Mayer e um público curioso, aberto e sem preconceitos. Essa primeira exposição foi reveladora: o que René Mayer construíra na solidão tocava imediatamente e profundamente. Nada havia sido pensado para seduzir, mas o impacto foi imediato. Um diálogo se abre. Fortalecido por essa primeira experiência, René Mayer decide criar um espaço permanente, não para se destacar, mas para dar visibilidade às vozes artísticas piemontesas ainda desconhecidas.
Em 2023, ele funda o SAB – Spazio Arte Bubbio – em um antigo armazém de vinhos na vila onde vive e trabalha. O local rapidamente se torna um ponto de convergência entre artistas emergentes e visitantes curiosos. René Mayer expõe suas obras em ciclos, alternando com outros artistas que ele apoia ou descobre. O SAB não pretende ser uma vitrine, mas um local de troca e ressonância, à imagem da prática de seu fundador: exigente, rigorosa, mas profundamente voltada para o outro.
O ano de 2024 marca uma virada com a exposição “Mutações furtivas”, uma seleção de 30 obras abstratas recentes, concebida com o falecido professor Luca Beatrice, que foi presidente da Quadriennale di Roma. Esta exposição, realizada no próprio SAB, é destaque na imprensa cultural do Piemonte. Luca Beatrice inscreve imediatamente o trabalho de René Mayer numa reflexão internacional sobre as evoluções contemporâneas da abstração. Ele destaca a especificidade do trabalho de René Mayer: uma pintura densa, profundamente comprometida, sem nunca ser sensacionalista, onde as mutações — ambientais, percetivas, culturais — se inscrevem na própria matéria. A curadoria de Beatrice ecoa no meio artístico, e a exposição se torna um marco na trajetória do artista. Em seguida, várias exposições reforçam esse reconhecimento em expansão.
Em Vevey, no final de 2024, René Mayer participa da exposição coletiva ‘Artistes unis pour l’eau’ (Artistas unidos pela água), organizada pela galeria Fresa y Chocolate, em colaboração com a ONG What Water. Ele apresenta uma série de obras intitulada “Mutações furtivas”, onde o uso de fichas de cassino simboliza o jogo mortalmente perigoso que nossa civilização joga com o meio ambiente. O aspecto simbólico de seu trabalho ressoa particularmente no contexto da exposição.
Em 2025, sua presença em Istambul com a exposição ‘Kesişmeler | Intersections’, organizada pela Vision Art Platform e comissionada por Fırat Arapoğlu, permite-lhe ultrapassar as fronteiras suíças e italianas. Suas obras são expostas na parede central da galeria, sinal de um forte posicionamento na cenografia. A GQ Turquia divulgou o evento, dedicando um artigo a este artista suíço ‘discreto mas impactante’, cujas fichas pintadas se tornam objetos de meditação. Este primeiro passo na cena turca abre perspectivas para futuras colaborações.
No mesmo ano, em Baar (Suíça), ele apresenta uma exposição individual intitulada “Happy Anxiety” no AtelierRoshi. Pela primeira vez, René Mayer associa suas duas séries mais contrastantes: as estatuetas “Viva Viva” e os quadros “Mutações furtivas”. Esta aproximação inesperada entre o ludismo vibrante de “Viva Viva” e a crítica silenciosa de “Mutações furtivas” revela uma faceta até então desconhecida da sua obra: a sua capacidade de conter fortes tensões emocionais, sem nunca as opor frontalmente. A exposição é aclamada pela sua precisão.
Finalmente, em junho de 2025, a Galeria Hergiswil dedica-lhe a sua primeira grande retrospectiva: “René Mayer. Paintings and Sculptures”. A exposição reúne 17 quadros e 27 esculturas, abrangendo todas as suas séries principais. O percurso cenográfico destaca as correspondências internas de sua obra: o olhar em “Olhos” ecoa os bustos esculpidos de “Mármore & granito”, as superfícies vibrantes de “Terra vibrante” respondem às figuras alegres de “Viva Viva”. O público descobre a amplitude de um trabalho rigoroso, construído ao longo do tempo, com grande coerência formal. Para muitos, é uma revelação. Para René Mayer, é simplesmente a continuação de um gesto que ele nunca interrompeu.
Uma prática que liga o artesanato à percepção e à ética
René Mayer não reivindica nada. Ele não busca chocar, nem se inserir em uma tendência, nem teorizar seu gesto. Sua obra não é um manifesto, nem uma reação. É a consequência lógica de uma relação exigente com a matéria, com o mundo e consigo mesmo. Em um contexto artístico saturado de discursos, ele escolhe o silêncio. Em um universo dominado pela rapidez, ele impõe a lentidão. Em um sistema baseado na visibilidade, ele privilegia o recuo. Isso não é uma pose, mas uma necessidade. Ele não segue nenhuma escola, nenhum movimento, nenhuma expectativa: ele segue a forma e o que ela lhe diz.
O que ele constrói, camada após camada, dia após dia, é fruto de uma atenção absoluta às microvariações, aos ajustes sutis, à presença do corpo no trabalho. Ele se descreve expressamente como um artesão. Essa palavra, para ele, não é um ato de humildade, nem uma recusa da aura artística: é uma afirmação essencial. Ser artesão é estar no fazer, no concreto, na atenção ao detalhe. É buscar o ajuste certo, a coerência entre o gesto e a intenção.
Para René Mayer, criar é transformar: transformar a matéria, transformar a percepção, às vezes transformar o olhar de quem entra na obra. É também, fundamentalmente, uma maneira de entrar em relação. A obra não é um objeto fechado, mas um espaço de relação. Ela estabelece uma tensão entre o visível e o invisível, entre o que é mostrado e o que se esconde, entre a mão que molda e o olhar que recebe. Ela não busca convencer, mas permitir o surgimento de um estado de atenção, de percepção aguçada. Em suas pinturas e esculturas, o silêncio se torna ativo. As obras não estão apenas ali: elas chamam. Elas convidam a suspender o fluxo, a desacelerar, a realmente olhar. Elas não transmitem uma mensagem, não proclamam nada, não demonstram nada. Elas se erguem, imóveis, vibrantes — insistentes. Elas nos olham. Elas nos propõem outra temporalidade: a do recuo, da densidade, do sensível. Elas não procuram ocupar o espaço, mas habitá-lo. Elas nos lembram que o essencial nem sempre é visível, que o que transforma nem sempre é espetacular, e que o que mais nos toca muitas vezes é o que fala mais baixo.
É aí, talvez, que reside a força da obra de René Mayer: em sua capacidade de nos desarmar sem nos ferir, de nos despertar sem nos obrigar. Ele não se coloca como um artista engajado no sentido militante do termo, mas seu trabalho é profundamente ético. Ele interroga, por meio da matéria, nossa maneira de habitar o mundo. Ele explora, por meio da forma, nossas formas de ver, de sentir, de reagir. Ele não nos dá respostas, mas cria as condições para um deslocamento interior. Ele nos pede presença, atenção — à espessura de um pigmento, à tensão de um volume, ao equilíbrio de um vazio. Assim se desenha a trajetória singular de René Mayer. Uma trajetória feita de obstinação tranquila, de fidelidade a uma linha interior, de recusa dos atalhos. Uma carreira entre pintura e escultura, entre isolamento escolhido e abertura ao que circula. Uma obra construída na solidão, mas voltada para o mundo. Uma prática discreta, mas profundamente atuante. Uma busca paciente, incansável, pela forma justa, pelo vínculo sincero, pela beleza ativa — aquela que não se impõe, mas que transforma.