Uma longa história – do ponto de fuga ao seu apagamento
Na pintura ocidental, a perspectiva linear foi por muito tempo a ferramenta central para organizar o espaço visual. Desde Brunelleschi e Alberti, a tela foi concebida como uma janela aberta para o mundo, fundamentada em um ou vários pontos de fuga. Esse sistema, aperfeiçoado por Piero della Francesca, Leonardo da Vinci ou Mantegna, tornou-se o cânone acadêmico.
A anulação da perspectiva nasce como um gesto crítico. Não se trata de uma falha técnica, mas de uma vontade de neutralizar a profundidade e devolver toda a força ao plano. Essa recusa atravessa os cubistas, que multiplicam pontos de vista para desfazer a coerência espacial, Malevitch e seu radicalismo geométrico, os construtivistas russos e também Josef Albers com suas composições frontais.
Na arte contemporânea, essa estratégia torna-se conceitual: já não se trata de representar um mundo exterior, mas de interrogar as condições de visibilidade. A pintura deixa de ser ilusão para tornar-se estrutura. A anulação da perspectiva transforma a tela em campo de experimentação, onde ver significa também pensar.
Uma escolha plástica – não uma consequência automática
Para René Mayer, a anulação da perspectiva não é um efeito secundário da abstração, mas uma decisão consciente. Suas obras, mesmo abstratas, poderiam sugerir horizontes ou gradientes, mas elas recusam sistematicamente qualquer indício espacial. Sem centro, sem profundidade, sem fuga: tudo acontece no plano.
A superfície pictórica torna-se um lugar de ação. Essa escolha proíbe qualquer leitura ilusionista e obriga a considerar as relações entre formas. Quadrados, círculos, camadas ou grades nunca se organizam em uma profundidade fictícia: coexistem em uma frontalidade rigorosa. O espectador não entra na imagem, ele circula sobre sua superfície. É uma maneira de afastar a visão única herdada do Renascimento e substituí-la por um equilíbrio móvel entre tensões visuais.
“Caixas” – o quadrado como tensão crítica
A série “Caixas” ilustra essa relação radical com o plano. Grades e quadrados poderiam dar a ilusão de um espaço arquitetônico estável, mas toda profundidade se dissolve. Nada permite ao olhar escapar: tudo permanece na superfície.
Aqui, o quadrado torna-se ambivalente: célula protetora ou prisão. Essa ambiguidade visual e simbólica remete a uma questão ética: estamos confinados para sermos protegidos ou protegidos ao preço de um confinamento? Ao recusar a perspectiva, René Mayer radicaliza essa tensão. O espectador, incapaz de se evadir para um fundo, deve confrontar diretamente a superfície saturada de signos.
Essa escolha se aproxima de análises ligadas a Michel Foucault sobre os dispositivos de confinamento: a grade como diagrama do poder. Onde Albers explorava a percepção cromática com seus quadrados, Mayer transforma-os em ferramenta crítica. A anulação da perspectiva atua aqui como arma visual: expõe a estrutura em vez de dissimulá-la atrás de uma ilusão tranquilizadora.
“Terra vibrante” – materialidade sem profundidade
Em “Terra vibrante”, René Mayer introduz um novo material: papel amassado, colado, trabalhado. Esse relevo não imita a profundidade, mas afirma uma superfície acidentada. A matéria torna-se metáfora de uma terra agitada, atravessada por tensões.
Sobre essa superfície orgânica sobrepõem-se formas geométricas nítidas – triângulos, quadrados, círculos – que não estruturam um espaço, mas acentuam a frontalidade. Elas não aprofundam a imagem: ferem o plano. A anulação da perspectiva assume aqui uma dupla forma: recusa óptica da profundidade e confronto direto entre matéria caótica e geometria.
O resultado é um campo de forças, sem horizonte nem ponto de fuga, que lembra as telas queimadas de Burri ou as superfícies fragmentadas de Smithson. Mas em Mayer, tudo é orquestrado para que a superfície permaneça legível: a imagem não é uma ilusão, mas uma tensão ativa.
“Mutações furtivas” – acaso controlado, plano assumido
Com “Mutações furtivas”, René Mayer leva essa lógica ainda mais longe. As fichas de cassino são repetidas, alinhadas, dispersas segundo um rigor quase algorítmico. Mas não produzem nenhuma profundidade. Cada ficha permanece equidistante do olhar: não está mais próxima nem mais distante, mas colocada sobre o mesmo plano.
Em certas telas, René Mayer experimentou o uso de um pêndulo que dispersa a tinta em trajetórias imprevisíveis. Mas esse elemento aleatório permanece marginal: o essencial da série repousa na tensão entre o rigor geométrico da trama e a instabilidade introduzida pelas fichas coloridas. O acaso intervém como perturbação, não como princípio absoluto.
Assim, a anulação da perspectiva não é apenas uma recusa da ilusão: torna-se um quadro que acolhe o aleatório sem perder-se no caos. A superfície age como uma grade que canaliza os desequilíbrios. A tela não é um espaço no qual se entra, mas um campo onde se enfrenta a copresença dos signos.
A ausência de profundidade como princípio estruturante
Em todas as suas séries, René Mayer mantém essa coerência: sem perspectiva, sem evasão óptica. Seja em “Caixas”, “Terra vibrante” ou “Mutações furtivas”, o espectador permanece diante da superfície. Essa escolha não é formalismo: desloca o olhar.
Ao anular a perspectiva, René Mayer recusa a hierarquia implícita que coloca um ponto de vista soberano no alto. Cada forma existe por si mesma, em equilíbrio lateral. A tela torna-se campo ativo, não palco ilusionista. Essa frontalidade austera produz uma intensidade particular: o olho não entra em um mundo pintado, mas enfrenta uma estrutura.
Conclusão – uma arte sem fuga
Em René Mayer, a anulação da perspectiva não é efeito de estilo nem citação modernista. É uma estratégia plástica e crítica. Ela impede o espectador de refugiar-se na profundidade e o obriga a confrontar a superfície. A tela deixa de ser janela, torna-se muro: um muro tenso, saturado, ativo.
Nessa recusa da ilusão, cada elemento ganha peso e valor. Nada é relegado ao fundo: tudo existe no mesmo nível. Essa escolha fundamenta a intensidade da obra de René Mayer, em que o olhar não se perde no espaço, mas se agarra à superfície, onde se desenrola a verdadeira dinâmica pictórica.