As origens de uma paixão
René Mayer (1947) nasceu e cresceu na Suíça alemã, na região da Basiléia. Basiléia, terceira maior cidade do país, faz fronteira com a Alemanha e a França ao longo do grande eixo fluvial do Reno. Cidade industriosa e estudiosa, comercial e próspera, é também conhecida por sua grande tolerância. O cosmopolitismo de René Mayer tem, portanto, raízes sólidas. Mas isso não é tudo!
Essa situação geográfica singular, na confluência de três culturas, influenciou profundamente seu olhar sobre o mundo. Crescendo numa cidade que abriga instituições europeias, feiras internacionais e onde várias línguas convivem diariamente, René Mayer foi imerso desde cedo em um ambiente aberto, onde a diversidade é vista como uma riqueza. O acesso aos museus e às exposições na fronteira com a Alemanha e a França fazia parte de seu cotidiano. Esse solo multicultural, ao mesmo tempo enraizado e voltado para o exterior, contribuiu para formar nele uma sensibilidade curiosa, atenta às nuances e naturalmente inclinada ao encontro com o outro.
René Mayer faz parte desses otimistas incorrigíveis que afirmam que os obstáculos existem para serem superados. Tudo o que ele empreende, desenvolve com paixão e leva a cabo com determinação. Desde jovem, já demonstrava forte necessidade de autonomia e uma sólida vontade de sucesso. A prova: ainda menino, na escola primária, ele se lançou com êxito como passeador de cachorros (chegando a seis ao mesmo tempo!) para complementar a modesta mesada que recebia dos pais.
Mais tarde, na adolescência, levou em tempo recorde o grupo de escoteiros que liderava do último ao primeiro lugar no ranking dos escoteiros de Basiléia… Enfim, nenhum desafio o intimida – todos o estimulam. Até hoje – e certamente também no amanhã!
Esse gosto pelo desafio, enraizado na infância, nunca se apagou. Cada etapa, cada projeto, cada obstáculo encontrado foi para ele uma oportunidade de aprender algo novo, de testar seus próprios limites, de aprimorar sua capacidade de resolver problemas pela ação. Seu temperamento não é o da espera nem da reclamação, mas sim do impulso e da constância. O sucesso não lhe interessa como resultado visível, mas como indicador de coerência entre esforço, método e visão. Já na infância, ele compreendia que a autoconfiança se constrói por meio da ação repetida, e que a iniciativa, mesmo modesta, é a chave de toda evolução. Essa mentalidade nunca o abandonou – ao contrário, só se fortaleceu com os anos, a ponto de se tornar uma das forças motrizes fundamentais de sua trajetória de vida.
Esse espírito precocemente empreendedor foi se desenvolvendo ao longo dos anos até culminar, nos anos 1970, na fundação de uma empresa comercial dedicada às artes da mesa – que logo se tornaria um sucesso. Mas isso já é outra história. Graças a essa empresa, René Mayer conquistou a autonomia financeira desejada, o que lhe permitiu dedicar-se mais livremente à sua atividade pictórica e plástica do que muitos de seus amigos artistas, cujas angústias e dificuldades existenciais ele compreendia plenamente.
Essa empresa, criada numa época em que o art de vivre e o design começavam a ocupar um lugar crescente no cotidiano, encontrou um público sensível à qualidade, à beleza funcional e à estética discreta. Ela lhe permitiu conciliar rigor comercial com atenção ao detalhe – duas qualidades que ele sempre cultivou. Esse sucesso econômico lhe proporcionou não apenas os meios financeiros para se libertar das limitações materiais, mas também a liberdade mental para explorar sua vocação artística sem compromissos. Ele nunca viu contradição entre empresa e criação: para ele, ambas nascem do mesmo movimento interior de coerência, visão e precisão. Foi esse percurso que lhe permitiu tornar-se um artista pleno – não por ruptura com sua vida anterior, mas por continuidade com sua exigência de justeza e sentido. São essas especificidades que tornam a biografia de René Mayer tão ambivalente.
Rebelde multifacetado
O corolário e o pré-requisito dessa atividade sem pausa nem limites é a curiosidade inata, quase insaciável, de René Mayer. Para ele, nada é a priori desinteressante — sobretudo no campo cultural. Desde muito cedo, ele se apaixonou pela arte em todas as suas formas, descobrindo, por exemplo, com surpresa e entusiasmo, a arquitetura orgânica fora do comum do Goetheanum de Rudolf Steiner e dos edifícios ao redor, em Dornach. A ruptura cultural simbolizada pelos conceitos arquitetônicos de Steiner (dos quais ele não compartilha a visão antroposófica de mundo) o seduziu porque ressoava com uma corda especialmente sensível de seu caráter: o espírito rebelde.
Essa curiosidade, René Mayer nunca a viveu como passatempo ou simples traço de personalidade. Para ele, trata-se de um motor profundo, uma força vital que o impulsiona a explorar, compreender, questionar. Ela o levou a se interessar não só por arquitetura, mas também pela história das formas, pela música, pela filosofia, pelo design, pelas técnicas artesanais, pela poesia visual e por tudo aquilo que, direta ou indiretamente, envolve o ser humano numa busca criativa ou expressiva. Não é uma curiosidade dispersa, mas uma curiosidade estruturante, que alimenta permanentemente suas reflexões, seus gestos, suas obras. Mesmo quando está apenas lendo, observando ou ouvindo, o faz sempre com a intenção de nutrir algo mais amplo. O Goetheanum não foi para ele apenas um choque estético: foi uma revelação da liberdade formal possível, da radicalidade assumida, da possibilidade de uma linguagem alternativa. Esse tipo de experiência reforçou nele a recusa de qualquer adesão passiva a uma doutrina, a uma corrente ou a uma norma.
Rebelde, René Mayer é desde a infância. Mas sua rebeldia nunca foi encenação, oposição de fachada ou rebelião oportunista. Quando se revolta, é por convicção – porque se depara com uma situação injusta, abusiva, arbitrária, idiota, iníqua. E, nesses casos, luta pelos outros tanto quanto por si mesmo, sem medo das consequências. Esse espírito libertário, essa vontade de romper com o conformismo vigente o levaram desde muito jovem a tornar-se artista – para desespero dos pais, que preferiam vê-lo seguir uma carreira claramente burguesa!
Essa recusa dos caminhos já traçados se afirmou bem cedo como uma necessidade vital de verdade. Para ele, ser rebelde não significa provocar, mas sim permanecer fiel ao que se sente profundamente justo. Isso exige resistência à pressão social e coragem para afirmar suas escolhas mesmo quando causam desconforto. Já adolescente, René Mayer demonstrava uma forma de intransigência interior: ele não conseguia se conformar com uma vida ditada por expectativas externas. Foi essa necessidade de coerência, liberdade e autenticidade que o conduziu naturalmente à arte. Não por desejo de originalidade, mas porque intuía que ali – e somente ali – poderia respirar no seu próprio ritmo, pensar com liberdade, construir uma obra à sua imagem. Essa escolha nem sempre foi compreendida, nem mesmo aceita, por seu entorno – mas ele a sustentou sem vacilar, porque sabia que não havia outro caminho possível para ele.
Um produto do seu solo natal
René Mayer é um verdadeiro produto do seu solo natal! Seu ecletismo e seu espírito liberal mergulham suas raízes em um microcosmo sociocultural da Basileia, alimentado pelos três humanismos que marcaram a região – o alemão, o francês e o suíço – e sobre os quais se desenvolveu, ao longo dos séculos, a grande tradição de tolerância que permitiu que grandes pensadores europeus, muitas vezes perseguidos ou ignorados em outros lugares, florescessem às margens do Reno.
Se a cidade foi um porto acolhedor para intelectuais como Erasmo, Johannes Oecolampadius e Leonhard Euler, também foi um refúgio para artistas renomados como Arnold Böcklin, Pipilotti Rist ou Jean Tinguely – um ‘Jeannot’ que René Mayer aprecia particularmente e a quem a cidade dedica uma veneração quase idolátrica… E não devemos esquecer a chamada ‘cultura alternativa’, para a qual a Basileia e sua região sempre foram terreno fértil! Nesse mundo muito peculiar – patrício e abastado, mas também discreto e culto – dinheiro e cultura andam de mãos dadas. As fabulosas coleções privadas legadas ou emprestadas aos museus da cidade confirmam isso com a mesma clareza que a famosa feira anual Art Basel, que atrai artistas e galerias do mundo todo para a cidade renana.
A esse solo já fértil somam-se outras influências: a presença de empresas farmacêuticas abertas ao mecenato, a proximidade da Alemanha e da França que favorece os intercâmbios acadêmicos, e a oferta universitária multidisciplinar que atrai a cada ano pesquisadores de diversos horizontes. Nos cafés do centro, ouve-se frequentemente o dialeto da Basileia, o alemão padrão, o francês e o inglês, lembrando constantemente uma identidade tão local quanto internacional.
Essa confluência de línguas e mentalidades moldou o ouvido e o olhar de René Mayer: ela lhe deu o gosto pela hibridação, a capacidade de apreciar tanto as telas simbolistas de um Böcklin quanto as projeções luminosas de uma Rist e as máquinas estridentes de um Tinguely. As iniciativas cidadãs ecoam nesse meio: ateliês autogeridos, festivais de música independente, coletivos de designers – toda uma rede de espaços alternativos alimenta os bairros do ‘Pequeno Basileia’ e da antiga zona portuária.
Em tal ambiente, a circulação de ideias é fluida, o debate é cortês mas intenso, e a experimentação é mais valorizada do que temida. Para René Mayer, essa densidade estimulante de oportunidades, modelos e contramodelos serviu como laboratório mental: ensinou-lhe que é possível conciliar êxito econômico com exigência artística, que tradição e vanguarda não são inimigas, mas parceiras possíveis, e que a liberdade criativa se alimenta de um solo comunitário sólido.
Morando nos limites do cantão, René Mayer é frequentador assíduo da Fundação Beyeler e das instituições culturais da região. Quando ele ‘ausculta’ os quadros de Mark Rothko na penumbra medida do magnífico edifício criado por Renzo Piano, quando redescobre as obras tardias de Paul Klee em uma suntuosa retrospectiva, quando segue os passos de Paul Gauguin em sua vida e em sua obra ao longo das viagens geográficas e artísticas do pintor, ou quando se deixa levar pelo vento que acaricia as árvores embaladas por Christo e Jeanne-Claude no parque da fundação, ele nunca está saciado, nunca está saturado – nunca está blasé.
Cada visita é para ele um ritual: chega cedo, percorre as salas devagar e memoriza suas impressões. Estuda com atenção e por longo tempo cada obra que considera determinante; examina os pigmentos, a técnica, depois se demora na livraria do museu folheando os catálogos mais recentes. Esse método, sistemático mas nunca mecânico, enriquece seu próprio trabalho: a paleta cromática de Rothko aguça seu senso das nuances, o rigor gráfico de Klee alimenta seu gosto pela estrutura, e a liberdade gestual de um Gauguin ou a ousadia ambiental de um Christo ampliam constantemente seus horizontes.
Em Basileia, além da Fundação Beyeler, ele também frequenta o Kunstmuseum, o Schaulager e as galerias independentes, convencido de que o diálogo entre instituições consagradas e cenas emergentes sustenta uma dinâmica criativa essencial. Em suas viagens ao exterior, aproveita cada oportunidade para visitar, com o mesmo rigor, as galerias de destaque que encontra pelo caminho. Essa curiosidade incansável, aliada a uma capacidade intacta de encantamento, faz com que cada exposição não seja apenas um passatempo, mas um momento de estudo ativo, um espaço de escuta silenciosa onde se revela a relação profunda que ele mantém com a arte e, mais amplamente, com a vida.
Exuberância e racionalidade marcam a biografia de René Mayer
Já mencionamos o fascínio que a arquitetura orgânica do Goetheanum exerceu sobre René Mayer. Mas esse gosto pelas formas biomórficas é apenas um dos polos de sua sensibilidade artística. O outro é sua predileção pela simplicidade e pelo despojamento, tal como defendido a partir dos anos 1920 por uma academia que se tornaria mundialmente célebre: a Bauhaus de Walter Gropius, fundada em 1919 em Weimar, transferida para Dessau em 1925 e dissolvida em 1933 em Berlim-Steglitz sob pressão das autoridades nazistas.
Nessa instituição, a pesquisa e o ensino se concentraram, num primeiro momento, na valorização da função artesanal da arte. Depois veio a reflexão sobre a simplificação das formas dos bens de consumo cotidiano. Fosse para saleiros, bules, abajures, papéis de parede ou móveis – especialmente cadeiras e poltronas – , a estética herdada do século anterior era profundamente questionada. No espírito dos ‘mestres’ (como eram chamados os professores da Bauhaus), a finalidade da simplificação das formas era ao mesmo tempo industrial (criar objetos que pudessem ser produzidos de forma altamente racional) e estética (criar objetos belos).
Essa reflexão culminou no conceito de ‘menos é mais’, ou seja, na recusa de qualquer ornamentação supérflua – um princípio que também era o lema do arquiteto e designer germano-americano Ludwig Mies van der Rohe, um dos mestres mais influentes da Bauhaus. Mies van der Rohe desempenhou papel fundamental na difusão internacional do espírito da Bauhaus. O famoso pavilhão alemão da Exposição Universal de Barcelona de 1929, concebido por ele e por Lilly Reich, assim como a poltrona ‘Barcelona’ criada para esse pavilhão, estão entre suas realizações mais notáveis.
René Mayer, ao explorar esses dois polos formais – a exuberância orgânica de um lado e o rigor geométrico de outro – , não busca resolver uma contradição, mas sim habitar uma tensão fecunda. Ele não escolhe entre um ou outro: acolhe ambos como recursos complementares, linguagens paralelas capazes de responder a diferentes necessidades expressivas. Esse diálogo entre dois polos alimenta sua própria prática artística: em certos momentos, deixa-se guiar pela intuição da curva, do fluxo, do gesto livre herdado da arquitetura viva; em outros, privilegia a clareza de uma composição racional, a eficácia de uma estrutura simples. Para ele, mais importante que a forma é a coerência entre intenção e realização.
Não é por acaso, portanto, que os objetos da Bauhaus e o impulso místico do Goetheanum coexistam em seu imaginário. Eles representam duas formas de conectar a arte ao mundo real: uma pela força do símbolo e da espiritualidade das formas; a outra pela inteligência do funcional e a beleza do útil. René Mayer situa-se no cruzamento dessas duas heranças. Admira a radicalidade de figuras como Gropius ou Steiner, que souberam repensar não apenas o que se faz, mas como e por que se faz. É essa lucidez visionária que ele procura integrar ao seu próprio caminho: criar obras que falem tanto aos sentidos quanto à razão, que estimulem o olhar e também a reflexão, e que, sob sua simplicidade aparente, carreguem o rastro de uma busca exigente e sincera.
Retomando os dois eixos conceituais que orientam René Mayer: um raciocínio apressado poderia concluir que o artista apresenta uma ambivalência desconcertante ao abraçar simultaneamente duas doutrinas aparentemente antagônicas. Mas essa contradição é apenas aparente – ou, mais precisamente, ela diz respeito a apenas um aspecto da questão: o estilo. É evidente que a estética depurada da Bauhaus entra em tensão – ou melhor, em contraponto – com o design biomórfico, por vezes exuberante, da arquitetura orgânica. A questão é, então: o que liga o mundo da Bauhaus ao do Goetheanum?
A resposta é de uma clareza luminosa: a abordagem artesanal comum a ambas as filosofias. Pois a arquitetura orgânica, que busca se desenvolver em simbiose com a natureza – como reivindicam as criações de Frank Lloyd Wright –, privilegia logicamente materiais naturais como o tijolo, a madeira e a pedra – e, por consequência, valoriza o artesanato que os transforma. Steiner (que construiu o Goetheanum em concreto, não esqueçamos!) tanto quanto Gropius tinham plena consciência da importância do saber-fazer artesanal. Nos seus princípios pedagógicos, Steiner chegou a afirmar que o objetivo das aulas manuais (hoje chamadas de ‘artes plásticas’) não era formar técnicos hábeis, mas sim gerar objetos úteis e utilizáveis.
Essa visão compartilhada, longe de ser anedótica, toca o cerne daquilo que René Mayer considera um dos fundamentos de sua abordagem. Para ele, não se trata apenas de uma coincidência histórica entre duas correntes que admira, mas de um ancoramento profundo numa ideia de gesto, matéria e utilidade. Longe de buscar uma síntese formal entre essas linguagens estilísticas opostas, ele reconhece que a ética artesanal que ambas compartilham confere aos objetos, às formas e aos processos criativos uma densidade interior, uma autenticidade que transcende a aparência.
Ele se interessa menos pelo que as coisas mostram e mais pelo que elas revelam de sua feitura, de sua origem, de sua relação com o mundo. A matéria, seja ela natural ou industrial, torna-se expressiva desde que transformada com atenção, exigência e consciência. É isso que, a seus olhos, aproxima as linhas puras de uma poltrona ‘Barcelona’ das curvas imprevisíveis de uma coluna do Goetheanum: essa capacidade de encarnar uma ideia numa forma, sem ornamento nem artifício. O vínculo profundo entre esses dois universos reside, portanto, menos na estética do que no processo, no espaço concedido ao trabalho manual, à inteligência concreta dos materiais, à relação entre o ser humano e aquilo que ele transforma. René Mayer vê aí uma maneira de habitar o mundo com justeza – nem mais, nem menos.
A consciência da importância vital – no sentido de ‘indispensável à vida’ – do artesanato é o fio condutor que orienta René Mayer. Quando ele afirma que, no fundo do coração, é um artesão, ele está enfatizando – sem necessariamente dizer em voz alta – a noção de vida: o coração é onde pulsa não apenas a vida biológica, mas também a vida emocional. Ao longo dos anos e de suas experimentações artísticas, René Mayer compreendeu e assimilou cada vez mais profundamente a necessidade vital do ato criativo e a importância de produzir algo com as próprias mãos. É na honestidade e humildade desse gesto – que atravessa toda a biografia de René Mayer – que nasce a chama que confere às suas obras a personalidade, a legitimidade e a vitalidade que jamais terão os produtos fabricados em massa do outro lado do mundo.
É aí, nesse compromisso simultaneamente físico e mental, que para ele reside o verdadeiro sentido da palavra ‘criação’. Não se trata simplesmente de fazer surgir uma forma, mas de entrar em relação com a matéria, dialogar com ela, compreendê-la e escutá-la. Esse diálogo, às vezes lento, às vezes exigente, implica atenção ao detalhe, presença no momento, qualidade no gesto – algo que apenas a experiência do fazer torna possível.
É nisso que o ato criativo se opõe radicalmente à produção industrial: ele não é padronizado, não busca a uniformidade, carrega a marca do sujeito, do humor do dia, da tensão do corpo. René Mayer vê aí uma forma de verdade: a verdade do que se é diante do que se faz. Ele não reivindica o status de artista isolado numa torre de marfim, mas sim o de um artesão que, todos os dias, retorna com seriedade, honestidade e empenho ao seu ofício. E é essa continuidade, essa fidelidade ao trabalho, que dá aos objetos nascidos de suas mãos uma forma de vida, uma singularidade sensível, uma presença irredutível a qualquer modelo reprodutível.
Conclusão
Mais do que em antecedentes familiares, é preciso buscar as origens da paixão artística de René Mayer em seu temperamento rebelde, em sintonia com as profundas transformações sociais dos anos 60 e 70, e no clima cultural gerado por essas mudanças no microcosmo da Basileia que ele frequentava. Seus pais pertenciam à burguesia esclarecida, mas não praticavam nenhuma atividade artística naquela época. Só bem mais tarde o padrasto de René Mayer (segundo marido de sua mãe) se dedicou à pintura e à escultura – mas sem nunca torná-las uma profissão.
Esse descompasso entre um ambiente familiar culto, porém pouco expressivo no plano artístico, e uma sensibilidade pessoal fortemente voltada para a criação, provavelmente reforçou em René Mayer a necessidade de explorar por si mesmo caminhos não traçados. O contexto intelectual daqueles anos, marcado pelos movimentos contestatórios, pelo surgimento das contraculturas, pela contestação das hierarquias estabelecidas e pela valorização da expressão individual, ofereceu a essa sensibilidade um terreno especialmente fértil. Basileia, com sua cena cultural vibrante, sua abertura transfronteiriça e sua pluralidade de influências, funcionou como catalisador. Foi nesse espaço em transformação que René Mayer começou a definir sua própria linguagem, à margem dos modelos dominantes.
Se fosse preciso identificar uma figura familiar que, mesmo tardiamente, tenha exercido alguma forma de estímulo artístico, seria provavelmente esse padrasto autodidata. Mas, para René Mayer, o impulso vem de outro lugar: ele nasce de uma necessidade interior, de uma tensão vital entre interioridade e forma, entre percepção do mundo e vontade de traduzi-lo.